domingo, 3 de agosto de 2008

Na noite de Laguna tudo podia acontecer

(Por Agilmar Machado)

Laguna foi onde vivi cinco anos contínuos na década de 50, que valeram por uma vida inteira de fatos gratificantes, período em que dirigi a Rádio Difusora. As amizades em Laguna são como aquelas velhas heranças hereditárias: de pai pra filho. Muitos netos e filhos de amigos de cinqüenta anos atrás, hoje são os meus mais diletos amigos. É uma terra mágica, cativante, onde se rememoram os tempos idos com muito carinho e, sobretudo, respeito. O lagunense sabe brincar e, em favor dos amigos, às vezes “joga pesado”. O Grande Hotel (ficava ao lado da empresa Pinho & Cia., onde hoje funciona a Rádio Garibaldi), perto da agência dos Correios e Telégrafos. Era arrendado por Domingos Silva, missioneiro dos Sete Povos - de Palmeira das Missões -, competente contador da Navegação Lagunense e minha companhia permanente nas noites de bate-papo na mesa redonda postada defronte ao “buffet” do Clube Congresso Lagunense.
O ecônomo do clube era o grego Kotzias (um baita boa-praça... e refinado gozador). O sócio do Domingos era um lagunense nativo: Nico Camilo. O que hoje chamam de “cheff”, ele, se vivo fosse, botaria a todos no bolso. Cozinhou em navios internacionais (não precisa dizer mais nada). A roda noturna do Congresso se completava com os saudosos Alceu Medeiros, Caio Ferreira, Milton Bortoluzzi e o nosso sempre estimado Saul Ulisséia Baião. Essa era a patota permanente. Havia os itinerantes e também outro fixo que, malgrado compartilhar dos mesmos papos nossos, sempre tomava a sua “loiríssima” numa mesinha encostada na parede, o respeitável Zeca Freitas, espécie de secretário vitalício da Prefeitura e detentor de grande cultura.
Um dia veio, transferido para Laguna, Túlio (*), alto posto da esfera federal, que passou a “gravitar” em nossa mesa. Era carioca de Ramos. No hotel, acompanhava sempre o movimento do que era servido aos demais mensalistas para reclamar se algo faltasse quando chegasse a sua vez. Camilo (que saudades daquela figura) sabia que Cidinho (Adilsio do Canto), Domingos e eu, éramos chegados numa ova de tainha frita e bem sequinha. Diariamente o Nico nos brindava com três “exemplares” desse cobiçado pitéu. E, na mesa de Túlio, nada de ovas (que ele não conhecia muito bem...).
Veio o estrilo lá pelo quinto dia de observação, com carregado sotaque carioca: “Niiiico, o dinheiro de Machado e Cidinho vale maixxxxx que o meu? Por que não ganho ovaxxxx?”.
À hora da janta - Nico prometeu e cumpriu – “terás as mais bonitas que eu encontrar no mercado”.
E assim foi. À noite, antes de começar a nossa boêmia reunião diária, Nico punha sobre a mesa de Túlio três macro exemplares de ovas fritas boiando em azeite e que mostravam aspecto enorme (inchadas de gordura).
Túlio, olhando-nos de relance e com ar de mofa, agradeceu ao Nico e em poucos minutos só restava um prato engraxado...Terno panamá no lombo, sapato branco, lá foi o Túlio para peruar na nossa mesa no Congresso. Todos foram avisados do “desastre” que poderia advir, por arte do Nico. As cadeiras de vime tinham espaldar alto e assento bem arejado. Todos (inclusive Kotzias) esperavam o momento da desgraça, com o trato de ninguém rir... De repente – e não mais que de repente – Túlio disfarçadamente leva a mão direita por baixo do assento de vime, vira o rosto de lua cheia para a direita e olha seus dedos... Empalidecido, apelou ao Kotzias: “Grego, chama aí um táxi que eu preciso ir ao hotel” E o Kotzias: “Mas Túlio, acabaste de chegar”, com a maior cara-de-pau.
“Mas tá bom” e começou a falar para o Oscalino, lá no ponto único de carros de praça.“E manda encostar aqui na porta dos fundos”, advertiu Túlio. O táxi chegou. Túlio já tinha uma poça visível debaixo da cadeira. Ao levantar, o “caldo” escorreu perna abaixo formando um risco que listava sua calça de panamá até ao calcanhar! E o risco foi até a porta do táxi do Oscalino... Não precisa dizer que Nico teve que arranjar um substituto para a cozinha do hotel por algum tempo...jurado de sacrifício extremo!!!

(*) Por motivos óbvios, seu nome verdadeiro foi omitido.

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