sexta-feira, 29 de agosto de 2008

AL NETO (Afonso Alberto Ribeiro Neto) - III

Reproduzido abaixo um texto publicado na Internet de um dos comentários de Al Neto.

Seu estilo era enxuto, sem floreios nem adendos: firme, frases curtas e incisivas.

O texto contém vários aspectos internacionais de relevo para a época de 50/60 do século XX.


O rádio como instrumento de geopolítica
Na primeira metade da década de 1950, por exemplo, tornou-se
popular nos rádios brasileiros o comentário de Al Neto. Pretendia-se que
fosse um programa cultural, de informações científicas, educacionais e
políticas. Todos os dias muitas emissoras entravam em cadeia e ouvia-se
a emblemática Oh! Suzana canção bastante conhecida via Hollywood.
Em seguida à música de abertura, um speaker anunciava:
[...] este é o comentário de Al Neto: Nos bastidores do mundo. O que há
por trás das notícias. Ao microfone, Al Neto:

"Amigo ouvinte. O liberalismo está surgindo no mundo e no Brasil como
força polarizadora dos partidos democráticos. E isto se dá no momento
exato em que o socialismo, por outro lado, começa a perder os matizes de
direita e esquerda, para adquirir a cor uniforme dos partidos que desejam
o Estado onipotente.
Num comentário recente, eu te disse o que está acontecendo no Japão.
A tendência na dieta japonesa é para a formação de dois únicos partidos:
de um lado os liberais e, do outro lado, os socialistas. O mesmo se pode
dizer da atual situação na Itália e na França. A instabilidade que
observamos neste momento tanto na Itália como na França é o resultado
da divisão dos partidos democráticos. Se bem, tanto na Itália como na
França, os partidos democráticos representem a maioria do povo, não
conseguem resistir à pressão dos socialistas, porque se acham desunidos.
Por outra parte, os partidos liberais ou democráticos tanto na Itália como
na França estão sendo vítimas das concessões que fizeram aos partidos
socialistas. A queda de Degasperi pode ser atribuída, principalmente, à
reforma agrária que empreendeu sob inspiração dos socialistas. No Brasil,
já notamos também a tendência em direção aos pólos do pensamento
político e econômico do nosso tempo. Por cima de estruturas mais ou
menos artificiais, os nossos políticos principiam a compreender que
precisam se definir. O momento é tão crítico que tentar acomodações é
tentar a própria ruína. Os nossos partidos sentem que precisam dizer
claramente à nação se querem resolver nossos problemas por meio da
democracia ou por meio do socialismo. A crise que atravessamos é
conseqüência da nossa marcha desorientada para o socialismo. Marcha
desorientada porque não estamos seguindo uma linha reta para o
socialismo, como desejariam Domingos Velascos ou Raimundo Magalhães
Júnior. Estamos marchando para o socialismo em zig-zags, com hesitações
e recuos. Entretanto, esta marcha já é suficientemente dirigida para
comprometer o funcionamento da máquina nacional como nação
democrática. Certas iniciativas democráticas, como a do câmbio livre,
fracassam porque nossa economia já tem muitos laivos socialistas. A
precariedade da situação brasileira resulta do fato que não somos nem
flu , nem fla . Não somos uma nação democrática como provam a
existência de mecanismos controladores do Estado. Mas não somos,
tampouco, uma nação socialista. O senador Alencastro Guimarães disseo
muito bem: É tempo de tomar uma decisão. Os partidos brasileiros
começam a compreender, finalmente, que o pior é ficar no chove e não
molha . Talvez, nas próximas eleições possamos ver claramente quais
sãos os partidos liberais que querem a predominância do indivíduo ou do
povo e quais são os partidos socialistas que querem a predominância do
Estado ou da burocracia. E é certo que a nação vai votar por aqueles que
tiverem cor bem definida e não por aqueles que jogam com pau de dois
bicos."


Novamente ouvia-se Oh! Suzana, a canção que havia aberto o
programa e agora encerrava-o com o locutor anunciando: Acabaram de
ouvir o comentarista Al Neto. Voltem a ouvi-lo amanhã nesta mesma hora.
E agora, atenção! Se quiser receber gratuitamente publicação de interesse
para você ou de sua família, escreva para a caixa postal 4.712, 4-7-1-2, Rio
de Janeiro.
O tema era apropriado num momento em que o mundo ainda tinha
na memória a lembrança fresca da guerra contra o totalitarismo nazifascista.
O cronista chamava a atenção para o avanço do socialismo nos
países democráticos. Na Itália e na França o movimento socialista
avançava graças às benévolas concessões feitas pelos liberais. A queda
de um Primeiro Ministro explicava-se pela perigosa aventura de uma
reforma agrária socializante. O exemplo devia servir de aviso aos políticos
brasileiros. Deveríamos tomar uma decisão e não permanecermos em
posições dúbias. Deveríamos seguir as fórmulas de um Raimundo
Magalhães Júnior4. Ainda que deixasse aberta a idéia de livre escolha, Al
Neto fazia a crítica ao socialismo: o câmbio livre teria fracassado porque
nossa economia havia assumido características socialistas. O ouvinte, ou
o leitor, já que podia-se adquirir as crônicas pelo correio, tinha certeza que
o cronista pedia, tão somente, uma tomada de posição. Nossos políticos
deveriam escolher entre o liberalismo e o socialismo.
Os assuntos das crônicas diárias de Al Neto eram os mais variados:
liberalismo x socialismo; os antibióticos e as plantas medicinais brasileiras;
formação de técnicos; reforma agrária; classes produtivas socialismo
capitalismo de estado; democracia no Nepal; Guerra da Coréia. Apesar do
amplo leque temático, a base era uma só: as grandezas e vantagens do
mundo livre em contraposição ao mundo comunista.

2 Acervo sonoro do Arquivo Nacional.
3 Acervo sonoro do Arquivo Nacional.
4 Raimundo Magalhães Júnior, tido como um socialista fabiano, havia trabalhado no OCIAA em Nova
York durante a Segunda Guerra Mundial (TOTA, 2000).
Perspectivas, São Paulo, 27: 111-122, 2005

A crônica sobre o liberalismo no Brasil tinha um tom que sugeria,
como já se disse, um certo equilíbrio, indicando que, embora houvesse
uma posição ideológica no discurso, os políticos brasileiros deveriam tão
somente tomar uma posição clara. Num outro programa sobre a reforma
agrária na Guatemala, o radialista deixa mais clara a sua tendência
política:
Amigo ouvinte. Em todas as t ragédias existem, inevitavelmente,
passagens cômicas. Tragédia cem por cento tragédia só mesmo nos
brilhantes escritos do senhor Nelson Rodrigues. Na tragédia da reforma
agrária guatemalteca acaba de surgir um episódio cômico. O herói ou
será que eu devo dizer, o palhaço? é um certo senhor Esteves [...] que é
o administrador geral da reforma agrária na Guatemala. Esta reforma é
dos princípios esquerdistas da divisão forçada da terra [...].5
Qualquer dúvida, que ainda pudesse restar quanto o caráter pró-mundo
livre na luta contra o socialismo do pensamento de Al Neto, se
diluiria quando o desavisado ouvinte (ou leitor) soubesse quem era Al
Neto: cidadão brasileiro e editor de rádio da Embaixada Norte Americana
no Rio de Janeiro. Sua luta pela liberdade e pela democracia era conduzida
pelas mãos dos funcionários da United States Information Service e da
United States Inforation Agency, órgãos do governo americano que
surgiram nos anos imediatos depois da Segunda Guerra Mundial.
O programa de Al Neto fazia, portanto, parte do esforço da política
cultural americana de disseminação dos valores do liberalismo, do mundo
livre e, de certa forma, do americanismo. Assim, poder-se-ia contra-atacar
qualquer propaganda de caráter socialista ou comunista (muitas vezes,
como já se disse, na visão dos especialistas americanos, o nacionalismo
era confundido com ideologias de esquerda). Os EUA contavam, para
isso, com a experiência adquirida durante a Segunda Guerra Mundial,
com o Office of the Coordinator of Inter American Affairs de Nelson
Rockefeller. A única diferença é que, nas décadas de 1950 e 1960, o inimigo
era o comunismo e não mais o nazismo.

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